Análise Econômica da Judicialização de Contratos de Integração na Avicultura do Centro-Oeste: Evidências e Consequências
- Marcelo Justus

- 13 de out.
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Atualizado: 14 de out.
Por Marcelo Justus (Economista e Livre-Docente em Economia)

Recentemente, realizei uma Análise Econômica dos Contratos, aplicando métodos quantitativos para examinar três questões centrais que têm caracterizado a judicialização crescente e preocupante de contratos no sistema de integração avícola, nos Tribunais de Justiça da região Centro-Oeste, especialmente em Goiás e no Mato Grosso do Sul.
De forma geral, os pleitos de intervenção judicial nas relações contratuais entre a BRF S.A. e os produtores integrados concentram-se em três alegações recorrentes de algumas associações de avicultores:
que a empresa não reajusta adequadamente os valores contratuais, apesar da inflação acumulada;
que não há remuneração nos períodos de ociosidade das granjas (inatividade prevista nos contratos de integração, por razões sanitárias, mercadológicas, de planejamento da produção ou outros fatores), mesmo com os custos fixos arcados pelos integrados;
que não há garantia de retorno econômico suficiente para justificar o risco assumido pelo produtor integrado.
O estudo econômico, encomendado pelo CMT Advogados, foi conduzido com dados públicos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (RAIS, CAGED, PNADc, Censos Agropecuários e POF) e com dados anonimizados fornecidos pela empresa integradora.
Primeiro, identifiquei que os principais fundamentos invocados para justificar a intervenção judicial são de natureza econômica. Os pleitos estão ancorados, de forma predominante, na tese de vulnerabilidade econômica do produtor integrado. No entanto, os dados de faturamento e de área utilizada demonstram que a presença de “pequenos produtores” no sistema de integração da avicultura é reduzida.
Segundo, encontrei evidências de que o sistema de integração da BRF apresenta elevada eficiência econômica em termos de faturamento médio dos produtores. Desde 2011, ano em que o CADE aprovou a fusão que deu origem à BRF S.A., o faturamento médio dos produtores integrados cresce de forma contínua e positiva, seja em valores nominais, seja em valores reais, quando deflacionado pelo IPCA, índice de inflação oficial. Além disso, os resultados econométricos da parte empírica do estudo mostram que as diferenças observadas no faturamento decorrem principalmente de fatores externos à integradora, específicos da produtividade dos produtores.
Terceiro, dados de pesquisas de satisfação realizadas pela empresa com produtores integrados mostram que a grande maioria está satisfeita ou muito satisfeita com o sistema de integração. As estatísticas sustentam, de forma clara, que a maior parte entrevistados considera a integração um bom negócio, projeta sua permanência no sistema, sente orgulho de ser integrada e recomendaria a integração com a BRF a um amigo. Essa evidência empírica não corrobora a ideia de descontentamento generalizado, como sugerem algumas ações movidas por associações.
Quarto, os indicadores econômicos mostram o excelente desempenho da atividade avícola quanto à produção e geração de emprego e renda nos municípios do Centro-Oeste, especialmente naqueles que possuem unidades de integração da BRF. Ainda que indiretamente, as estatísticas regionais, estaduais e municipais não apontam problemas estruturais que ameacem a sustentabilidade do sistema de integração.
Quinto, os dados demonstram que aumentos de preços têm alto potencial de gerar impactos sociais regressivos, atingindo de forma mais intensa os grupos mais vulneráveis da população. Há fortes indícios de que elevações de preços tendem a ter efeito regressivo, impactando principalmente as famílias de menor renda. Por isso, é fundamental que o Judiciário considere que reajustes automáticos dos preços pagos ao produtor podem pressionar os preços ao consumidor e agravar a desigualdade no acesso aos alimentos, uma das quatro dimensões centrais da segurança alimentar.
Para além dos fundamentos jurídicos, a Análise Econômica dos Contratos exige que os pleitos das associações sejam avaliados considerando as consequências para todos os envolvidos. Isso inclui impactos sobre a sustentabilidade do sistema de integração, sobre a competitividade do setor nos mercados interno e externo e, sobretudo, sobre os preços pagos pelas famílias brasileiras pela carne de frango. Com base no estudo, respondi a três questões econômicas diretamente derivadas dos pleitos apresentados:
Diante da elevada volatilidade do IGP-M e do risco de repasse imediato de custos ao preço da carne de frango, onerando milhões de consumidores e afetando a competitividade da avicultura brasileira, impor a indexação dos contratos de integração por esse ou por qualquer outro índice de preços é uma medida economicamente e socialmente eficiente?
Se a remuneração negociada entre as partes já cobre a atividade produtiva contratada, o pagamento adicional nos períodos de ociosidade das granjas (inatividade prevista nos contratos de integração, por razões sanitárias, mercadológicas, de planejamento da produção ou outros fatores) é uma medida economicamente e socialmente eficiente?
Se não há garantia de retorno econômico suficiente para justificar o risco assumido pelo produtor integrado, transferir esse risco para a integradora e, em última instância, para os consumidores finais é uma medida economicamente e socialmente eficiente?
A resposta é negativa para as três questões. À luz dos princípios de microeconomia, economia comportamental e nova economia institucional, que estruturam a Análise Econômica do Direito, nenhum dos três pedidos encontra respaldo teórico ou empírico no estudo realizado. Indexar contratos ao IGP-M transferiria volatilidade, reduziria competitividade e pressionaria preços, prejudicando especialmente consumidores mais pobres. Pagar remuneração nos períodos de ociosidade contrariaria a lógica produtiva e reduziria eficiência. Garantir rentabilidade mínima criaria distorções, deslocaria riscos e enfraqueceria os incentivos à produtividade.
Com base nesse estudo robusto e abrangente, recomendo que a intervenção do Judiciário seja a última instância, apenas após o esgotamento das vias negociais e da submissão do tema à Comissão para Acompanhamento, Desenvolvimento e Conciliação da Integração (CADEC), prevista na Lei nº 13.288/2016 (Lei da Integração). Mecanismos de negociação são muito mais eficientes para reduzir os custos de transação gerados por longas disputas judiciais, sobretudo diante do histórico de congestionamento processual no país.
Nas decisões envolvendo relações contratuais privadas, o Judiciário deve ter clareza de que há risco de agentes econômicos deixarem o mercado quando os custos criados por intervenções judiciais não puderem ser compensados ou repassados (neste caso, ao consumidor final). Se, no Direito dos Contratos, a liberdade contratual é um pilar essencial, na Economia a liberdade econômica desempenha papel equivalente.
A liberdade de contratar implica autonomia da vontade, permitindo que as partes definam como e quando se obrigar. O direito contratual deveria, portanto, preservar a liberdade das partes para buscar seus melhores interesses, inclusive o direito de encerrar a relação quando não houver mais incentivos reais para a cooperação e o compartilhamento dos riscos inerentes à atividade produtiva. Esses são princípios básicos de qualquer sistema de integração vertical eficiente.
DISCLAIMER
O estudo foi demandado pelo CMT Advogados, financiado pela BRF S.A., realizado pela MetriCons Consulting e conduzido de forma independente por mim. O conteúdo e as conclusões aqui apresentados são de minha inteira responsabilidade e não representam a opinião da Universidade Estadual de Campinas, nem a comprometem. Não há conflitos de interesse nem interferência de terceiros no meu trabalho.