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Atualizado: há 4 dias
Marcelo Justus
Instituto de Economia, UNICAMP

No dia 29 de outubro de 2025, participei do XVIII Congresso da Associação Brasileira de Direito e Economia (ABDE), em Brasília, apresentando o meu novo minicurso “O Direito Iluminado por Evidências: Introdução aos Estudos Empíricos de Direito e Economia”. O objetivo foi introduzir, de forma acessível, mas rigorosa, os fundamentos dos estudos empíricos aplicados ao Direito.
Este texto apresenta um resumo do conteúdo apresentado [slides] no minicurso, ministrado para uma turma composta por cerca de 30 alunos, quase todos advogados e professores de Direito.
Um upgrade no perfil do especialista em Direito e Economia
Sempre destaco em meus cursos que o especialista em Análise Econômica do Direito não é um analista jurídico tradicional com um simples "verniz econômico". É um profissional técnico e interdisciplinar, capaz de aplicar ferramentas da ciência econômica para compreender, avaliar, propor e tomar decisões considerando os incentivos criados pelo direito, a eficiência econômica das decisões, as consequências diretas das escolhas e as externalidades potenciais das opções possíveis.
Oliver W. Holmes, ainda em 1897, escreveu:
For the rational study of the law the black-letter man may be the man of the present, but the man of the future is the man of statistics and the master of economics…
Essa previsão genial, publicada em The Path of Law (Harvard Law Review, 10), antecipou em décadas o movimento Law and Economics e o que hoje chamamos de Análise Econômica do Direito. Holmes estava certo ao prever que o jurista do futuro seria alguém dominando estatística e economia.
Essa convicção sintetiza o espírito deste meu novo curso: o estudo do Direito, as estratégias jurídicas e as decisões judiciais serão cada vez mais orientados por evidências, e compreender seus efeitos requer domínio de dados, estatística e teoria econômica.
O profissional moderno do Direito precisa estar preparado para decidir e orientar decisões com base em evidências. Essas evidências derivam de estudos empíricos realizados com métodos quantitativos da ciência de dados, da estatística, da jurimetria e da econometria. É preciso enxergar o Direito como um fenômeno social mensurável, sujeito a hipóteses, testes e inferência causal.
Jurimetria e econometria: diferenças fundamentais nos estudos empíricos do direito
Um equívoco comum é confundir econometria com jurimetria. Elas são próximas em seus propósitos, mas têm naturezas distintas. Em 1949, Lee Loevinger propôs o termo jurimetrics para representar a aplicação de métodos científicos, especialmente quantitativos, ao estudo do Direito. Em Jurimetrics: The Next Step Forward (Minnesota Law Review, April 1949), ele escreveu:
Of course it is not important what term is used to indicate the scientific discipline suggested. It is important that it have a distinctive name, as well as a general program. The name suggested here seems, to the author, as good as any, since it seems to indicate the nature of the subject matter, and corresponds to other similar terms, such as biometrics and econometrics
A jurimetria e a econometria compartilham técnicas semelhantes, mas com objetivos diferentes. A jurimetria descreve e prevê fenômenos jurídicos, como padrões de decisão, comportamento judicial e tempo de tramitação. É descritiva e preditiva, mas não causal. Ajuda, por exemplo, a estimar a probabilidade de sucesso de uma ação judicial, mensurar o tempo médio de tramitação, identificar padrões de jurisprudência e mapear fluxos de litigância.
Já a econometria transforma teorias econômicas em hipóteses testáveis e permite avaliar o impacto de mudanças em leis e políticas públicas sobre o comportamento das pessoas e instituições. Permite, por exemplo, estimar o efeito de mudanças legais sobre o emprego, medir o impacto de normas de responsabilidade civil sobre acidentes ou investigar como alterações no direito penal afetam taxas de criminalidade e reincidência.
Enquanto a jurimetria descreve e prevê, a econometria busca explicar e identificar relações causais. Como exemplos, podem ser citados estudos sobre o impacto de reformas trabalhistas no nível de emprego, de alterações penais sobre a reincidência criminal e de mudanças em regras de responsabilidade civil sobre a frequência de litígios.
Correlação não é causalidade
O maior desafio da econometria é distinguir correlação de causalidade. Duas variáveis Y e X podem estar correlacionadas sem que uma cause a outra. O raciocínio causal exige uma pergunta contrafactual: o que teria acontecido com Y se X tivesse sido diferente?
Além disso, as correlações espúrias estão por toda parte. Um exemplo clássico, que frequentemente usamos em sala de aula, é o do consumo de sorvete e o número de afogamentos. Ambos aumentam no verão, mas isso não significa que um cause o outro. O aumento da temperatura é o fator que influencia ambos os fenômenos. Para quem quiser ver alguns exemplos curiosos (e divertidos) de correlações espúrias, recomendo acessar o site do Tyler Vigen e assistir um vídeo do clássico exemplo "número de cegonhas e taxa de natalidade".
Sem raciocínio causal, corre-se o risco de confundir coincidência com causalidade. A inferência causal depende da condição de ceteris paribus, ou seja, "manter tudo o mais constante". Como quase sempre trabalhamos com dados observacionais, recorremos a estratégias de identificação robustas e uso de modelos e métodos econométricos como Diferença em Diferenças, Regressão Descontínua, Variáveis Instrumentais e Controle Sintético. No mundo real, por se tratar de relações humanas, não temos laboratórios controlados; sem aproximar a condição ceteris paribus, não há inferência causal confiável.
O caminho entre os dados brutos e as respostas causais é longo. Entre os maiores obstáculos estão o viés de seleção (quando o tratamento não é aleatório) e o viés de variáveis omitidas (quando fatores relevantes não são controlados). Pesquisas descritivas são úteis, mas o objetivo da ciência é identificar causa e efeito. Como dizia W. Edwards Deming:
In God we trust; all others must bring data
A diferença entre "contar histórias" com dados e fazer ciência com dados está em uma única palavra: causalidade.
Dimensão e granularidade dos dados em estudos empíricos de Direito e Economia
A variabilidade dos dados é a base da inferência. Sem variação, não há como identificar relações causais. Os dados são insumos; a econometria é o processo que transforma esses insumos em resultados, que constituem informações.
Nos estudos empíricos, compreender a dimensão e a granularidade dos dados é essencial para definir adequadamente as perguntas de pesquisa, os métodos econométricos aplicáveis e os limites de inferência. Afinal, como alertava John Tukey (1915–2000):
Far better an approximate answer to the right question, which is often vague, than an exact answer to the wrong question, which can always be made precise
Perguntar corretamente é tão importante quanto saber responder. Boas perguntas têm o poder de transformar simples dados em informação relevante e conhecimento científico. Nesse mesmo sentido, compreender as distinções na dimensão e no nível de agregação dos dados é fundamental para evitar vieses analíticos.
Dimensões dos dados:
Corte transversal (cross-section): observações em um único ponto no tempo, explorando variação entre unidades;
Temporal (time series): observações ao longo do tempo para uma mesma unidade;
Painel (longitudinal data): observações de múltiplas unidades ao longo do tempo, combinando variação entre e dentro das unidades.
Granularidade dos dados:
Microdados: representam indivíduos, domicílios, famílias ou empresas.
Dados agregados: são proporções, médias ou totais por grupos específicos de unidades, como municípios, estados ou países.
A combinação entre dimensão e granularidade define o tipo de análise possível e o alcance das inferências. Por exemplo:
No nível agregado e em corte transversal, podemos analisar a taxa de homicídios por estado em 2022;
No nível micro e temporal, podemos acompanhar a série de decisões de um juiz ao longo dos anos;
Em painel, é possível avaliar bases de processos individuais ou dados de congestionamento judicial em um certo tribunal em diferentes períodos.
Atenção: dados agregados não devem ser usados para inferir relações em nível micro. Inferir sobre indivíduos com base em médias de grupos pode levar a conclusões equivocadas, erro conhecido como falácia ecológica. Em assuntos do direito, cito frequentemente como exemplos:
Cidades com maior renda média têm menos homicídios. Isso não significa que pessoas mais ricas cometam menos homicídios.
Estados com maior taxa de desemprego têm mais roubos. Isso não implica que pessoas desempregadas cometam mais roubos.
Estados com maior número de armas vendidas têm mais homicídios. Isso não significa que proprietários de armas sejam os autores dos homicídios.
Compreender a relação entre granularidade e dimensão dos dados é fundamental para evitar interpretações equivocadas.
A consolidação da pesquisa empírica em AED
À medida que a comunidade acadêmica de Law and Economics se consolidou, diversas associações científicas foram criadas com o objetivo de promover e incentivar a pesquisa teórica e empírica na área.
A European Association of Law and Economics (EALE), fundada em 1984, é a mais antiga. Outras entidades seguiram o mesmo caminho, como:
American Law & Economics Association (ALEA)
Canadian Law & Economics Association (CLEA)
German Law & Economics Association (GLEA)
Società Italiana di Diritto ed Economia (SIDE)
Asociación Latinoamericana y del Caribe de Derecho y Economía (ALCDE)
Law & Economics Association of New Zealand (LEANZ)
Asociación Española de Derecho y Economía (AEDE
Association française d’économie du droit (AFED)
Associação Brasileira de Direito e Economia (ABDE)
Essas instituições têm sido fundamentais para difundir globalmente a Análise Econômica do Direito, promovendo congressos, publicações e redes de pesquisa.
Durante o minicurso, apresentei uma lista (não exaustiva) de importantes revistas científicas que têm publicado estudos empíricos de Análise Econômica do Direito:
The Quarterly Journal of Economics (1886)
Harvard Law Review (1897)
The American Economic Review (1911)
The Journal of Law and Economics (1958)
Journal of Economic Literature (1969)
The Journal of Legal Studies (1972)
Journal of Law, Economics, and Organization (1985)
European Journal of Law and Economics (1994)
American Law & Economics Review (1999)
Journal of Competition Law & Economics (2005)
International Review of Law and Economics (2006)
Economic Analysis of Law Review (2010)
Também recomendei aos meus alunos, para quem deseja se aprofundar em econometria aplicada e inferência causal, o estudo de econometria guiado pelos livros-texto clássicos de Wooldridge (2025) e Angrist & Pischke (2009, 2015). Como sempre faço, destaquei que Joshua D. Angrist foi laureado com o Prêmio Nobel de Economia em 2021 “for their methodological contributions to the analysis of causal relationships”.
Concluí o minicurso reafirmando que o avanço dos estudos empíricos em Direito e Economia representa a consolidação de uma cultura de decisões baseadas em evidências. O rigor metodológico, o domínio de estatística e econometria e o uso criterioso dos dados são indispensáveis para compreender e aprimorar os efeitos das normas e políticas públicas.
Retomo aqui uma reflexão que costumo enfatizar: modelos, métodos e dados não são um fim em si mesmos; são instrumentos para responder à pergunta central de toda investigação empírica: o que causa o quê.
Angrist & Pischke (2015) nos lembram que:
Economics is as exciting as any science can be: the world is our lab, and the many diverse people in it are our subjects. The excitement in our work comes from the opportunity to learn about cause and effect in human affairs
Essa frase reflete o que considero ser um verdadeiro upgrade no perfil do especialista em Análise Econômica do Direito: adquirir conhecimento suficiente para decidir ou orientar decisões com base em evidências produzidas por estudos empíricos, realizados por ele próprio ou por outros profissionais especialistas em modelagem, com o uso rigoroso de ferramentas da econometria.
Incentivar essa nova geração de juristas com formação em Economia (“juseconomistas”), capazes de pensar empiricamente, é, sem dúvida, essencial para uma abordagem ainda mais científica do Direito, orientada por evidências. Esse foi o propósito deste curso, e que me move nos próximos anos: levar a análise empírica do Direito e Economia pelos quatro cantos do país, contribuindo para a formação de uma comunidade acadêmica e profissional comprometida com o rigor científico, a eficiência das instituições e a construção de um Direito guiado por evidências.
Livros recomendados
Wooldridge, J. M. (2025). Introductory Econometrics: A Modern Approach (8th ed.). Cengage Learning.
Angrist, J. D., & Pischke, J.-S. (2009). Mostly Harmless Econometrics: An Empiricist’s Companion. Princeton University Press.
Angrist, J. D., & Pischke, J.-S. (2015). Mastering ‘Metrics: The Path from Cause to Effect. Princeton University Press.

